terça-feira, 30 de junho de 2009

A Ambulância

São dias e dias. São noites e noites. Sobre quatro rodas e apenas dois espelhos, eu sigo a circular, nesta cidade fria onde em qualquer lugar a dor pode estar. Eu ligo o som bem baixo, para minha atenção não desviar. São vidas em risco as quais eu preciso resgatar. São sentimentos apreensivos por não saber o grau do que está por vir ou do que já se foi e ninguém soube falar.

São dias e dias. São noites e noites. Fria madrugada, ardente entardecer. Não há um dia bom ou ruim para viver ou morrer. O que mais posso lhe dizer? É triste? Para eu e para vocês sim, mas talvez para eles não. Afinal, são casos e casos, entre dias, meses e anos. O costume de ver a dor e a felicidade lado a lado torna-se normal. Nos braços de um grande profissional, nem sempre a resolução de um problema é considerado 100%.

A dor é maior para nós que, muitas vezes ao final de um esforço, correndo em meio ao trânsito, cortando automóveis, passando faróis vermelhos em alta velocidade, notamos que nossa ajuda não foi o suficiente para evitar a partida de alguém. E a solidão em meu peito, aquele ar gelado, no meu corpo quente, vestido com um macacão branco, é como se tornasse um dia maravilhoso, no dia mais triste que já vivi em meus 10 anos ou mais de experiência.

Somos imprevisíveis, nosso corpo, nossa mente, nosso instinto e vontade. Tudo isso é imprevisível. Você leva meses para aprender a se firmar com os pés no chão, leva mais de alguns meses para andar sem se desequilibrar. Anos depois cresce, estuda e começa a trabalhar, envelhece e então morre. Muitas vezes no intervalo dessa caminhada, uma bala disparada por um revólver, uma desatenção ao volante, uma dose a mais de bebida e até mesmo uma maligna doença nos leva de encontro com a morte. E então vem a questão: De que adianta muitas vezes muito esforço, se no final, todos temos o mesmo fim?

A resposta eu adquiri levando minha vida dentro desta ambulância, ouvindo sempre a mesma estação de rádio, no mesmo nível de volume, com a sirene ligada e apagada. Em alta ou baixa velocidade:

“Não importa o tempo que viva, e sim a importância da sua atenção. Nada é perfeito com exageros, tudo sem sua dosagem. E tudo é possível de se vencer se houver em seu peito uma força maior de sonhar, querer e viver. Pessoas vêm e vão, mas não alguém que esteve sempre de prontidão, para te apoiar e ajudar no que sempre você precisou. Nada é por acaso, e a morte vêm quando você completa sua principal missão, mesmo com maldade em seu coração, de um jeito ou de outro, você sempre fará bem a uma pessoa pelo menos, seja no riso, na sinceridade, na amizade ou no amor”.

Eu ainda sigo aqui. Assumindo esse volante e quando tudo acabar, eu serei grato por tudo. Afinal, eu me esforcei ao máximo e lutei contra o tempo sempre que pude. Ainda não chegou a minha hora. Há milhares de vidas para serem salvas e muitas outras para provar que milagres existem.

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